

A novela Vale Tudo, atualmente em reprise na TV Globo, reacendeu uma discussão que ultrapassa o universo da ficção: cláusulas que preveem multas em caso de traição ou separação estão cada vez mais presentes nos pactos antenupciais celebrados em cartório. A tendência, antes restrita a casamentos com grandes fortunas ou questões sucessórias, tem ganhado força em diferentes perfis de união.
De acordo com o relatório Cartórios em Números – 6ª edição (2024), mais de 855 mil pactos foram lavrados entre 2006 e setembro de 2024 no Brasil. Somente em 2023, foram registrados 55.931 atos desse tipo. Em São Paulo, os números vêm crescendo: no primeiro semestre de 2025, foram contabilizados 7.074 registros — um aumento em relação ao mesmo período de 2024, que somou 6.453.
O pacto antenupcial é obrigatório quando os noivos optam por um regime de bens diferente da comunhão parcial, e permite que cláusulas específicas sejam estipuladas de comum acordo. Entre elas, compensações financeiras em caso de rompimento. Segundo o tabelião de notas Andrey Guimarães Duarte, vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, essas cláusulas são juridicamente válidas, desde que respeitem os princípios da boa-fé e da dignidade das partes. “É uma forma de proteger o patrimônio familiar, especialmente em contextos empresariais ou de herança, mas também uma maneira de trazer previsibilidade ao relacionamento”, afirma.
A inclusão de cláusulas como multa por traição, apesar de polêmica, já encontra respaldo no Judiciário. “A autonomia privada é protegida pelo Código Civil. Havendo consentimento mútuo e ausência de abusos, essas disposições são legítimas e evitam litígios futuros”, diz o tabelião.
Para a advogada Giovanna Araujo, especialista em Direito Empresarial com foco em contratos, o pacto deve ser encarado como instrumento de planejamento, não apenas como um ‘plano B’. “É um contrato como qualquer outro, com validade jurídica, e que precisa refletir a vontade real das partes. Hoje há menos tabu em discutir patrimônio antes do casamento”, afirma.
Ela destaca ainda que o contrato pode conter cláusulas híbridas, adaptadas à realidade de cada casal. “É possível definir regras específicas sobre bens, dívidas, heranças e até empresas familiares, desde que não violem normas imperativas”, explica.
A busca por segurança jurídica, especialmente entre casais com patrimônio prévio ou que desejam evitar disputas no futuro, ajuda a explicar o crescimento desses registros em cartório. E, ao que tudo indica, os pactos antenupciais com cláusulas patrimoniais detalhadas vieram para ficar.